quinta-feira, 24 de julho de 2014

no final das contas, sempre vale a pena

Certo dia, em uma terça-feira qualquer, Gustavo saiu de casa pra comprar pão. Não porque estivesse com fome, ou com vontade de ir. Simplesmente porque era isso que ele fazia todas as tardes. Há alguns anos sua mãe havia lhe designado essa função e, desde então, Gustavo faz isso sem pestanejar ou pensar a respeito. 
Todos os dias, no mesmo horário, o garoto pegava a mesma quantidade de dinheiro e se encaminhava pra mesma padaria, localizada na esquina de sua rua. Em questão de doze minutos ele já estava de volta à sua casa, colocando as compras sobre a mesa da sala, onde seria servido o café da tarde dentro de alguns instantes.

Especificamente nessa terça-feira qualquer, a rotina de Gustavo se modificou. Ao se aproximar da habitual padaria, ele se deparou com os portões fechados. Por cerca de dois segundos, ele ficou sem reação. "Como assim eles fecharam sem me avisar?", pensou o garoto. Então ele se deu conta de que havia um discreto cartaz colado na porta que deveria estar aberta. Andou em direção ao papel e leu a seguinte explicação: "ESTAMOS DE LUTO. Reabriremos normalmente amanhã". Gustavo sentiu-se envergonhado, já que se irritara por algo tão bobo enquanto aquelas pessoas haviam perdido algum ente querido. 

O menino lembrou-se da outra padaria mais próxima dali e sentiu um certo desconforto quando percebeu que demoraria pelo menos vinte minutos para chegar lá. Gustavo respirou fundo, conteve seus pensamentos raivosos e começou a caminhar rapidamente. Se ele se atrasasse demais, sua mãe ficaria preocupada. Apesar de sua tentativa de não se incomodar com a situação, o garoto não conseguia parar de reclamar. "Todos os dias eu faço a mesma coisa, nada nunca muda. Por que justo hoje as coisas saíram do controle? Eu sei, os donos da padaria estão passando por uma situação delicada, eu não deveria estar reclamando disso, é só uma caminhada a mais (...)".

Envolto em seus pensamentos, ele nem viu o tempo passar. Quando se deu conta, a padaria estava há apenas uma faixa de pedestres de distância de Gustavo. Ele se dirigiu à ela, entrou no estabelecimento e, pra sua surpresa, deu de cara com Camila, uma antiga colega de classe por quem ele fora secretamente apaixonado durante um ano inteiro. Um instante se passou e então a menina abriu um largo sorriso. Os olhos de Gustavo se iluminaram quando ele percebeu que ela ainda se lembrava dele. Os dois se cumprimentaram e conversaram rapidamente. Nesse meio tempo, ele descobriu que Camila também comprava pão para sua mãe todos os dias, no mesmo horário e na mesma padaria, assim como ele. Essa simples coincidência fez com que o garoto se sentisse estranhamente feliz. 

Camila se despediu de Gustavo - ela já estava de saída quando ele chegou. Após um rápido beijo na bochecha (que fez com que ele ficasse vermelho como um tomate), ela disse :
- Nos vemos amanhã? Gostei de te reencontrar! 
- É claro que sim! respondeu ele, sem conseguir conter seu misto de felicidade e surpresa.

Ainda com um ar sonhador estampado em seu rosto, Gustavo fez suas compras e voltou pra casa. No meio do caminho, tudo o que conseguia pensar era em como havia sido injusto com o Universo aquele dia. "Eu reclamando de ter que andar demais quando, na verdade, o motivo disso tudo foi a Camila. Ah, se eu soubesse!". Ao passar em frente a padaria de sua rua, com as portas fechadas, ele disse baixinho:
- Desculpa, gente, mas é impossível competir com uma padaria que me faz ver a menina mais bonita do mundo. Não vai dar mais pra eu comprar meus pães aqui...
E então ele continuou andando até em casa, chegando a conclusão de que nem tudo que sai do nosso planejamento é uma coisa ruim. Às vezes a coisa é boa até demais. 

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